13.10.08

Felizes os que não se iludem pelas vaidades


Outro dia fui passear a Sintra e embrenhei-me pela história do lugar.
História feita de pessoas como o "Monteiro dos milhões", empresário no Brasil da escravatura, que construiu ali um templo à maçonaria. Ou de um D.Fernando, príncipe e esposo da rainha Maria II, que investiu dinheiro do reino e suas colónias na construção dessa "Disneylandia" de adultos que são o Palácio da Pena e seus jardins românticos, também eles recheados de esoterismos.
Dos pobres que serviam esta gente e que moravam no casario pouco salúbre entre encostas da vila e arredores.
Pus-me a imaginar como seria a paisagem social da Sintra do século XIX.


Fez-me lembrar o actual Congo que, como me contava um missionário, também tem jardins e palácios imperiais estupendos, acessíveis apenas aos ricos e seus vassalos. E uma imensa pobreza em redor, sustentada na opressão e na injustiça social.
Respeitadas as diferenças na dimensão do mal social – até porque aqui, apesar de sermos os exploradores destes, tinhamos já uma presença da Igreja capaz de inspirar alguma moral e as obras de piedade que dessem algum descanso moral aos que nos comandavam – a essência é comum: as mesmas seduções e ilusões de salvação, tantas vezes cobertas com a beneplácito benzedura de certas seitas e de religiosos ao serviço do poder.
Os mesmos "deuses" que continuam a seduzir as pessoas, dos líderes e responsáveis públicos aos exércitos de admiradores da imprensa cor de rosa.

Para entender "como" esta lógica se mantém não é preciso afastarmo-nos muito dessa mesma Sintra: o embelezamento da Vila continua a ser sustentado por um enorme Concelho votado ao abandono e ao "caos urbanístico" e social – um outro nome para a iniquidade de estruturas ao serviço de tantas vaidades, recheadas de pessoas "boas", mas que se esqueceram de usar a cabeça e o espírito para descobrir como servir primeiro a Deus - e aos homens, seus irmãos.
Basta olhar para o crescimento do enorme fosso entre os muito ricos e pobres – mesmo dentro dos países do chamado primeiro mundo - Portugal é só o País europeu onde é maior a diferença entre os 2 milhões de mais pobres e os 2 milhões de mais abastados!

Se voltar a Sintra, lembrar-me-ei que por trás de todo este romântismo oco e de braço dado com a concupiscência, destas fantasias iluministas e fábulas sedutoras, estão a vida de milhões de irmãos nossos sujeitos à escravidão e a tantas formas de pobreza e exploração. A mesma lógica que deixámos semeadas por essas áfricas fora, hoje paralisada pelas injustiças e guerras fratricidas, tantas vezes alimentadas pelos negócios "limpos" ou muito sujos que sustentam parte desta elite das nossas revistas "cor de rosa".. E que permite este sistema onde tu e eu gastamos num carro, sem nos questionarmos muito, o que outros não tem para alimentar a sua família, numa vida inteira de trabalho escravo.
Mas não deixarei de louvar a Deus: à falta das catedrais de pedra, em Sintra Ele próprio fez crescer, com ajuda do homem, uma natureza exuberante que a todos, pobres e ricos, aponta a presença de Deus e ajuda a questionar a verdadeira salvação que a todos oferece. E à falta das "catedrais" feitas pelos sorrisos das crianças saciadas da fome, pela solidariedade e pela missão, deixou que ali também aparecessem crianças, essas tantas vezes saciadas de tudo e que têm em excesso, mas que ainda não perderam o sorriso, que ainda não se encharcaram em anti-depressivos, que ainda traduzem a Sua esperança num Mundo Novo.
E desafia a cada um de nós a procurar estar com Ele no coração, deixando-O agir, provando no nosso século a força que Ele tem de transformar por dentro, num gesto, num olhar ou numa acção inspirada, o que muitas palavras e trabalho hárduo dificilmente mudam: o coração dos homens.
Eo que ainda me espanta é que parece que Ele continua a preferir mesmo precisar de ti e de mim! Como precisou daqueles santos e santas de quem falamos - que afinal começaram deixando-se tocar... como hoje podemos fazer.

Song for Nadim

Para os amigos