24.10.08
Felizes os que não desistem de se comunicar
Implacável, apesar do casamento já apontado e da promessa de ter uma família que o mundo já antes lhe roubara.
Implacável e silenciosamente, a doença roubara-lhe também, primeiros os movimentos das pernas, depois os dos braços, depois a fala… numa terrível prisão no seu próprio corpo.
Nos últimos anos escrevera textos de humor, brincando sem malícia com os utentes e funcionários do Pousal, a unidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa onde vivia.
Conseguira também ver publicados os seus poemas num livro que atingira os topos de vendas. E quem dele se abeirava podia contar sempre com um sorriso maroto e bem disposto, como que a dizer – deixa lá isso e vive a vida.
Fredy, a amiga que Deus pusera no seu caminho quando a solidão parecia levar a melhor, tinha encontrado uma técnica para comunicar com ele: lentamente, soletrava as letras de um alfabeto disposto na mesa de apoio da sua cadeira de rodas. Mais tarde, e graças ao interesse da Portugal Telecom, Vítor recebeu um computador com um sistema muito primário (e demorado) de escrita. É que, apesar de equipamentos militares, destinados a matar, já há muito poderem contar com apontadores guiados pela retina, para pessoas como o Vítor, presas num corpo sem qualquer movimento e incapazes sequer de articular um som, esta e outras tecnologias ainda não estão disponíveis.
Naquela segunda-feira parecia que o Vítor ainda iria levar a melhor sobre a infecção pulmonar oportunista que o tinha tomado. Mas aquele corpo crucificado, que há muito perdera os movimentos, não viria a resistiria ao dia seguinte. Faleceria quatro dias depois de ser internado, sem nunca ter perdido aquela lucidez aguda com que, nos seus apenas 37 anos, havia sido profeta da comunhão e da comunicação… com poucas palavras mas sentidas e com verdade.
A sua vida foi uma lição e amizade um privilégio. Que continuaremos a ter, pois o amor só pode ser vivido no presente!
- Alguns poemas e fotos (Blog do Vitor e da Fredy)
- Uma dedicatória em geito de música:
13.10.08
Felizes os que não se iludem pelas vaidades
Dos pobres que serviam esta gente e que moravam no casario pouco salúbre entre encostas da vila e arredores.
Pus-me a imaginar como seria a paisagem social da Sintra do século XIX.
Respeitadas as diferenças na dimensão do mal social – até porque aqui, apesar de sermos os exploradores destes, tinhamos já uma presença da Igreja capaz de inspirar alguma moral e as obras de piedade que dessem algum descanso moral aos que nos comandavam – a essência é comum: as mesmas seduções e ilusões de salvação, tantas vezes cobertas com a beneplácito benzedura de certas seitas e de religiosos ao serviço do poder.
Basta olhar para o crescimento do enorme fosso entre os muito ricos e pobres – mesmo dentro dos países do chamado primeiro mundo - Portugal é só o País europeu onde é maior a diferença entre os 2 milhões de mais pobres e os 2 milhões de mais abastados!
24.9.08
O meu obrigado a quem me testemunha Teu Amor
em Power of Simple Prayer, Warner Books
1.8.08
Conhecer-se através do Amor
É o sim que me é dado por um tu que me torna, por seu turno, capaz de dizer um sim verdadeiro ao outro.
O nascimento biológico não basta. O homem só pode acolher o seu eu com a força da aceitação do seu ser, que vem dum outro, do tu. Este sim do amante atribui-lhe a sua existência dum modo novo e definitivo. Ele recebe uma espécie de renascimento, sem o qual o seu nascimento ficaria incompleto e o deixaria em contradição consigo mesmo.
Para avaliar a validade desta afirmação podemos pensar na história das pessoas que foram abandonadas pelos pais nos primeiros meses de vida e não foram acolhidas por um amor que afirmasse e abraçasse a sua vida.
O caminho para amar é o caminho da verdade
"Aceitar-se a si mesmo, «amar-se», pressupôe, por sua vez, encontrar-se no caminho da verdade. O amor verdadeiro está pronto a compreender mas não a aprovar, declarando como bom o que não é bom.(...)
O amor refere-se à pessoa tal como ela é. Também as suas fraquezas. Mas um amor real, ao invés do breve encanto do momento, tem a ver com a verdade, e desse modo dirige-se à verdade desta pessoa, que pode até não estar desenvolvida, estar escondida e deformada.
(...)
É certo que o amor inclui uma disponibilidade inexaurível para o perdão, mas o perdão pressupôe o reconhecimento do pecado como pecado. O perdão é cura, ao passo que a aprovação do mal seria destruição, seria aceitação da doença, e precisamente dessa forma não seria bondade para com o outro"
Necessidade de um amor particular para amar a humanidade
De forma natural, o amor é uma escolha, não tem em vista «milhões», mas sim precisamente aquela pessoa. Mas exactamente nesta escolha, nesta única pessoa, a realidade aparece-me sob uma luz nova.
O universalismo puro, a filantropia genérica, fica vazio, ao passo que a escolha distintiva e determinada, que recai sobre esta pessoa, dá-me também novamente o mundo e as outras pessoas, e a mim a elas.
Adaptado de "Olhar para Cristo - Exercícios dé fé, esperança e caridade", J.Ratzinger
«Deus não nos salva apesar da nossa humanidade, mas antes através dela»
Mas este sim provém agora dum tu maior que o sim humano. (...)
Como pode a cruz do Senhor chegar da história até mim, de forma a fazer-me experimentar aquilo que Pascal percebeu na sua meditação sobre o Senhor ("Esta gota de sangue verti-a por ti")?
A actualização é possível porque o Senhor vive ainda hoje nos seus santos e porque através do amor proveniente da fé deles o Seu amor nos pode atingir imediatamente.
Com Cristo instaura-se uma troca interna recíproca no grande Eu novo em que a transformação da fé me introduz.
Se este sim do Senhor penetra realmente em mim de modo a gerar de novo a minha alma, então o meu eu fica impregnado d’Ele, conotado pela participação n’Ele. «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim». Então realiza-se o mistério do Corpo de Cristo, como por exemplo expôs São João de Eudes no seu tratado sobre o Coração de Jesus: «Peço-te que penses que Jesus é a tua verdadeira cabeça e que tu és um dos seus membros. Tudo o que é Seu é teu: espírito, coração, corpo (...) mas tu és para Ele como um membro, pelo que Ele deseja intensamente empregar cada capacidade tua como sendo d’Ele»
Em vez das simpatias e das antipatias pessoais privadas, entrou a simpatia de Cristo, o Seu amar connosco.
Desta simpatia de Cristo a mim participada, que se torna minha na vida de fé, eu posso transmitir uma simpatia, um sim maior que o meu próprio sim, que faz sentir ao outro aquele profundo sim único que dá sentido" a toda a existência humana.
(...) eu posso transmitir para ele o sim de Cristo que me vivifica, como sim meu e pessoal e contudo dele, mesmo e precisamente quando não existe simpatia natural.
Religiosidades que não levam a amar
(...) chega-se a um egoísmo religioso que impede a pessoa em questão de se abrir simplesmente ao olhar de Deus e de desviar a atenção de si para Ele. A pessoa religiosa e piedosa toda ocupada consigo própria não tem tempo para procurar o rosto de Deus e para ouvir o Seu sim libertador e redentor.
A forma oposta, mas contudo afim, é um excessivo desinteresse de si, uma renúncia a si mesmo que se torna a negação de si. A pessoa já não quer admitir o eu, e precisamente desta forma deixa-se dominar por um súbtil egoísmo.
Porquê viver na Igreja
Em cada encontro com o amor dos «santos», daqueles que realmente crêem e amam, eu encontro sempre mais que este determinado homem, eu encontro o Novo que somente por meio do d’Ele, podia formar-se neles.
(...) "Quanto mais tiver a coragem de assim me perder a mim mesmo, mais experimento que precisamente assim me encontro."
Adaptado de "Olhar para Cristo - Exercícios dé fé, esperança e caridade", J.Ratzinger
29.7.08
Onde está o teu irmão?
A pobreza de amor e de comunhão é a contradição mais absurda do cristianismo.
Jesus não curava por telepatia. Estava no lugar do sofrimento, tocava nas pessoas a troco de nada. Estar próximo significa abraçar Deus, cheirar Deus lá, onde só cheira a pôdre, um Deus que nos ensina a viver a verdadeira opção pelos pobres (vítimas de qualquer pobreza) e a com eles proclamar a salvação que gratuítamente ofereceu a todos.
Devemos ter conhecimento destes sofrimentos, tanto mais dolorosos quanto ocultos e disfarçados. O que nos falta é saber estar ao lado, acampanhar, consolar desde dentro as pessoas, perdendo tempo gratuítamente a troco de nada. Saber aproximar-se do outro, em bicos de pés, ajudá-los a recobrar o verdadeiro sentido da vida e o gosto de a viver.
Por ser pobre, por ser velho, merece o nosso abandono, o nosso desprezo?
Glória Fernandes, missionária em Moçambique
Felizes os que escolhem viver entre os que O amam
O Evangelho de São Lucas, capítulo 10, 38 a 42, fala de duas irmãs, Marta e Maria. Sobre estas Jesus disse: "Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada"!
Afinal, o que estava Marta a perder?
Marta estava também ali, à beira do Senhor. Mas só o escutava de passagem, no meio dos muitos afazeres da sua vida. Não seria mesquinha, como às vezes a imaginam, e estaria até empenhada em servi-Lo com o seu duro trabalho, em "contribuir para um mundo melhor" como hoje diríamos . Mas estava a perder " a melhor parte" da sua vida.
Maria colocou-se "aos pés do Senhor" e reservou tempo para O escutar. Era humilde.
Foi para perto dos que O amavam sinceramente e escutavam a Palavra. Soube escolher.
Nisto conheceu-se mais profundamente e escutou certamente o apelo de Jesus à sua participação na construção do Reino. Um apelo que é sempre pessoal e intransmissível. Soube encontrar o sentido mais profundo do seu existir no Seu Amor por ela e por todos os irmãos.
Ao contrário do que às vezes se afirma, o evangelho não diz que Maria se tornou uma contemplativa ou tenha trabalhado menos que Marta. Certamente trabalhou muito, como quase todas as mulheres do seu tempo (e ainda hoje). Possivelmente, fê-lo com maior acercividade e seu trabalho foi muito útil para a construção do Reino de Deus.
Soube aproveitar a experiência de O escutar entre os que O amam de coração sincero. Soube não se deixar isolar numa vida de rotina e partilhar o Seu Amor com os outros "irmãos", viver a dimensão fraterna que é a verdadeira Igreja. Soube se encontrar e ser feliz - esta parte que "não lhe será tirada". Obrigado Marta e Maria, pelo que nos ensinaste!
«Ningém se liberta sozinho, libertamo-nos em comunhão»
28.7.08
A lâmpada do teu corpo são os teus olhos
Há muitas pessoas que olham para as criaturas e coisas com a intenção de as possuir. E o seu olhar é egoísmo ou inveja ou, de qualquer forma, pecado. Ou olham para dentro de si próprias para se possuirem, para possuirem a sua alma, e o olhar delas é mortiço porque aborrecido ou perturbado.
A alma, porque é a imagem de Deus, é o amor e o amor voltado para si mesmo é como uma chama que, se não for alimentada, se apaga.
Deus está no fundo de cada pessoa que ama e, se não amar, é um tabernáculo de Deus vazio, à espera que Ele dê alegria e expressão à sua existência.
Quantos próximos encontramos ao longo do dia, desde manhã até à noite!
Em todos eles devemos ver Deus. Se o nosso olhar for simples, é como o olhar de Deus. E Deus é Amor e o amor quer unir.
Olhemos, portanto, para cada irmão amando e amar é dar. E, em quem recebe, pode nascer o desejo de dar e seremos também amados.
Também a vida de Deus em nós é assim. Deve ser posta a circular para poder irradiar para fora e testemunhar Cristo: o Uno que liga o Céu à Terra, irmão a irmão.
Chiara Lubich